Coluna Muito Além de Rodas e Motores:
Caçador de estrelas, um carro que,
de tão ousado, não pode competir
Em uma tarde de dezembro de 1967, fui ao Autódromo de Interlagos para assistir ao treino final dos pilotos e fiquei surpreso com um carro estranho e diferente dos demais dando voltas pela pista para testar a preparação e o melhor acerto para a corrida Mil Milhas Brasileiras, uma das mais importantes do automobilismo brasileiro e que aconteceria dois dias depois.
O automóvel parecia uma picape sem carroceria, era longo, o piloto sentava-se num banco instalado numa cabine semelhante à de um avião, à frente de um painel de instrumentos bem completo e, com a finalidade de obter o mais eficiente coeficiente aerodinâmico, sem portas, o que obrigava o piloto a entrar e sair do carro pela janela, depois de se apoiar sobre uma das rodas dianteiras.
O construtor desse carro diferente foi o romeno Bica Votnamis que chegou ao Brasil, em 1943, aos 13 anos de idade acompanhando a família na tentativa de encontrar um país sem os horrores da Segunda Guerra Mundial que deixou a Europa esfacelada.
Aqui o pai montou uma oficina mecânica no bairro do Bom Retiro e, ao ajudá-lo, Bica Votnamis ganhou gosto pela profissão e pode estar sempre junto da família. Depois de fazer corridas com um Renaut 1093 e um Simca Chambord, apaixonou-se pelas carreteras, categoria criada pelos argentinos, adotada pelos gaúchos e formada por automóveis antigos, mas transformados em carros de corrida modificados. A maioria com motor Corvette ou Ford e cilindrada de 5 litros que mantinham a aparência de velhos automóveis, mas na essência, verdadeiros bólidos.
Para competir na corrida Mil Milhas Brasileiras de 1967, Bica Votnamis decidiu construir um carro que idealizara, mas um projeto que imaginou revolucionário para a época. Foi um carro com recursos inéditos e, principalmente, o banco do piloto foi instalado à frente do eixo dianteiro.
O Caçador de Estrelas surpreendeu tão fortemente o público, jornalistas e diretores da Federação Paulista de Automobilismo que os integrantes das Comissões Desportiva e Técnica, preocupados com a responsabilidade por um eventual acidente, decidiram não homologar a inscrição do automóvel na corrida por considerá-lo sem o necessário nível de segurança.
O carro apresentava configuração inédita no automobilismo mundial, com chassi em estrutura em treliça tubular, motor central e suspensão independente, porém com cockpit localizado à frente do eixo dianteiro.
Equipado com motor Chevrolet Corvette de 5,6 litros e 350 cv, caixa Jaguar de quatro marchas, diferencial autoblocante, freios a disco nas rodas da frente, rodas com cubo rápido e dois radiadores de óleo.
O Caçador de Estrelas tinha carroceria de alumínio (moldada pelo funileiro espanhol Pablo Salvador) com apenas 1m12 de altura. Com comprimento total de 3m8, entreeixos de 2 m, a cabine do piloto situava-se praticamente toda no grande balanço dianteiro, de quase 1,8 m. Foi exatamente esta característica – considerada extremamente insegura para o piloto – que levou o carro de Bica a não ser homologado pela CBA, impedindo-o de participar da prova.
Senti pena do desolamento do piloto e construtor que, embora frustrado por não poder competir, aceitou a decisão dos dirigentes esportivos e técnicos e nunca mais ouvi falar nele e nem em sua obra-prima.
A decepção por não ter podido conhecer os méritos de seu trabalho levaram Bica Votnamis a desmontar seu Caçador de Estrelas e vender as peças importantes para amigos e o restante do carro para reciclagem.
Ao procurar Bica Votnamis, recebi duas informações. Uma, de que falecera ao sofrer um colapso cardíaco no sul do País e, também, que decidira mudar de pais.
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Crédito das imagens: João Saboia/Crédito ao Autor.
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