Coluna Muito Além de Rodas e Motores:
Assédio? Não, apenas uma gravata bem apertada
Assim como em todas as profissões, os assessores de imprensa também passam por situações inusitadas e inesperadas, verdadeiras saias-justas. E também como todos os demais profissionais, precisam se adaptar para resolver situações “indigestas” da melhor maneira possível.
Tenho um amigo que trabalhou por mais de 30 anos na Ford, aposentando-se no Departamento de Imprensa, que protagonizou em sua carreira dois episódios nos quais teve a sua conduta mal interpretada.
Na segunda metade da década de 1970, às vésperas do evento de lançamento do automóvel Corcel II precisou ficar no escritório até altas horas da noite para o fechamento do press kit a ser distribuído aos jornalistas. Sempre gentil e disposto a colaborar, prontificou-se a dar carona à secretária do departamento de Imprensa, que residia no centro de São Paulo, junto do Viaduto Maria Paula.
O carro desse companheiro de trabalho era um Fiat 147 um tanto cansado. E, quase à meia-noite, com a secretária a bordo, ao entrar na marginal da Via Anchieta a tampa traseira do porta-malas do carro se abriu ao passar por um desnível do asfalto obrigando-o a uma parada na escuridão da estrada para fechá-la. Ao bater a tampa, sua gravata ficou presa o que o obrigou à tentativa de pedir ajuda à senhora para se livrar da incômoda situação.
A saída para ele foi bater no vidro traseiro e, com gestos, orientá-la para retirar a chave do contato e levá-la até ele, atrás do carro. Ela olhava para trás a cada batida do colega, mas se voltava para a frente ignorando o seu pedido. Depois de várias infrutíferas tentativas, ele se esforçou e conseguiu folgar o nó da gravata e livrar o pescoço aprisionado.
Ao entrar no carro, nervoso, deu uma dura na secretária, criticando-a por se recusar a ajudá-lo. Mas ela, se desculpando, respondeu: “Senhor, eu não podia adivinhar quais eram as suas intenções”.
No dia seguinte, chegou ao departamento e durante nossa reunião semanal contou detalhadamente o ocorrido. Não preciso dizer que acabou ali o encontro depois de muitas gargalhadas.
Em outro episódio, um dia apareceu no Departamento de Imprensa da Ford um novo funcionário da Philco, empresa da Ford que produzia aparelhos de rádio e de televisão, para um período de estágio de Relações Públicas e Imprensa.
Consideramos a oportunidade muito positiva para a iniciativa de integração entre as duas empresas do mesmo grupo. Além disso, o novo colega tinha muito boa aparência pessoal, trajando-se com roupas de grife e acentuando a sua elegância com uma esvoaçante echarpe na condução de sua motocicleta Harley Davidson, atraindo com isso, as atenções de algumas jovens colegas de trabalho.
Algum tempo depois, um renomado jornalista da Folha de S. Paulo telefonou perguntando onde poderia levar sua TV Philco para corrigir um problema técnico. A coincidência dos fatos até pareceu enredo de novela e a pergunta representou uma grande oportunidade para três aspectos importantes.1 – Atender um profissional de nível elevado; 2 – Exercitar o plano de integração Ford-Philco e 3 – Avaliar o desempenho do companheiro de trabalho.
Internamente, também seria a oportunidade de conferir a proatividade do estagiário porque, ao ser consultado, demonstrando muita eficiência, rapidamente prontificou-se a, pessoalmente, retirar o aparelho na casa do jornalista e providenciar o conserto necessário.
Imaginei que essa atitude proativa fosse resultar num atendimento exemplar. Mas, depois de um tempo, o estagiário interrompeu o seu período de treinamento e encerrou a breve passagem pela Philco e, também, pela Ford.
Algum tempo depois, recebi novo telefonema do jornalista e fiquei surpreso com a pergunta: “Você sabe informar quando minha televisão ficará pronta?
Fiquei assustado, porque o estagiário havia sumido, sem deixar informações para contatos e, na Philco, ninguém sabia nem dele e, muito menos, da televisão. Isso nos levou a um trabalho de pesquisa junto a muitas oficinas autorizadas e esse colega, sempre muito prestativo, descobriu onde estava o aparelho, com orçamento à espera de aprovação.
É claro que autorizamos o conserto e, quando finalizado, o eficiente companheiro de trabalho utilizou uma Belina para entregar o aparelho. Ao chegar à casa do jornalista recebeu a orientação para colocar a TV sobre uma determinada mesa. De pequena estatura, ele foi ao carro, pegou o pesado aparelho, seguiu a orientação recebida – mesmo sem qualquer ajuda – e atendeu a mais um pedido para demonstrar que o conserto havia ficado bom conferindo o funcionamento da TV.
Em agradecimento, o jornalista tirou da carteira uma cédula de Cr$ 5,00 (cruzeiros e não reais) e ofereceu como recompensa ao transpirado e ofegante funcionário da Ford. Ao receber a educada recusa, o jornalista insistiu e disse: “O que é isso, rapaz? Eu sei como é dura a vida de motorista!”.
O funcionário da Ford, com a sua dedicação, até achou divertida a errada afirmação do jornalista, continuou a se dedicar a seu trabalho e, alguns anos depois, foi promovido no departamento de Imprensa.
Acesse nossos podcasts: https://soundcloud.com/user-645576547/assedio-nao-apenas-uma-gravata-bem-apertada.
Crédito das imagens: Arquivo de Internet.
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