Coluna Muito Além de Rodas e Motores:
Há 40 anos, uma aventura que uniu dois centros
produtivos da indústria automobilística
O dia 12 de agosto é data comemorativa para a Ford brasileira. Nesse dia, em 1982, há exatos 40 anos, o engenheiro José Augusto Barbosa de Souza e o mecânico Wilson Sorbo, funcionários da Ford, o repórter Renato Modernel e o fotógrafo Heitor Huy, da revista Quatro Rodas, deram início a uma viagem entre São Bernardo do Campo e Detroit, unindo, pela primeira vez, os centros produtivos de veículos do Brasil e dos Estados Unidos e que durou quase dois meses.
Depois do início oficial, na fábrica da empresa, em São Bernardo do Campo, os quatro integrantes do grupo foram até o Palácio do Governo de São Paulo, para a largada simbólica, pelo governador do Estado da época, José Maria Marin.
O objetivo foi percorrer a distância estimada de 20.000 quilômetros por nove países para exibir aos diretores e engenheiros da Ford matriz a qualidade de modelos produzidos pela empresa no Brasil.
O engenheiro José Augusto pilotou a caravana em uma viagem de trabalho que permitiu ao grupo submeter os veículos a um teste de resistência e qualidade, além de conhecer a América Latina e parte dos Estados Unidos.
Saindo do Brasil, o grupo percorreu estradas do Paraguai, Argentina, Chile, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela onde chegou exatamente um mês depois, a 12 de setembro, após uma sofrida, mas entusiasmante, empolgante e instrutiva aventura.
A viagem, que todos imaginavam ser uma mera superação de quilômetros, foi causando surpresas a cada dia e transmitiu ao grupo lições de geografia, hábitos e comportamento pessoal que exigiram muita paciência, dedicação, criatividade e aceitação mútua. É natural que pessoas adultas em convivência obrigatória durante longos períodos, mesmo com amigos íntimos, se desentendam até por receber excesso de atenção. Já vi amigos brigarem por excesso de convivência.
Ao tentar sair da Argentina no terceiro dia da excursão surgiu a primeira surpresa: uma imprevista nevasca na Cordilheira dos Andes fechou o acesso ao Chile, sem previsão de normalização do tráfego de veículos.
Descobriu-se o acesso ao Chile pela parte sul dos dois países, por Bariloche e Osorno, o que aumentou a distância da viagem em 2.600 quilômetros. Depois, foi o desfrute das belezas do Chile e, em seguida, o deserto do Atacama, no Peru, com longos trechos dourados pela areia da região.
Há quarenta anos, não se pensava em serviços de qualidade e as estradas mal conservadas, obrigavam a passar por pontes improvisadas por pranchas de madeira para a travessia de rios e, também, trechos em lamaçais, onde os veículos encalhavam, obrigando os aventureiros a juntarem suas forças para liberá-los a fim de prosseguir a viagem.
Nas fronteiras a dificuldade era a permissão para ingressar nos países, principalmente a Pampa – o carro oficina – carregada de peças de reposição que exigia rigorosa fiscalização e se transformava em pedidos de gorjetas, para a autorização de entrada nos países ou venda de rifas cujos resultados ninguém ficaria sabendo. Em um deles os funcionários da alfândega chegaram a pedir ajuda para a pintura do edifício com a informação de que necessitava de um melhor aspecto, porque a liberação da verba necessária sempre demorava muito para ser liberada.
Em Bogotá, capital da Colômbia, uma cena nunca vista. O engenheiro José Augusto sugeriu ao companheiro Wilson Sorbo para assistirem a uma missa de agradecimento a Deus pela proteção recebida ao longo da viagem.
Mas quando a missa chegou ao momento da comunhão três assaltantes provocaram uma cena de pugilato, tentando roubar Wilson Sorbo. José Augusto, em defesa do companheiro, tentou evitar o assalto envolvendo-se em luta com um dos marginais o que os levou ao chão, enquanto o padre dava ênfase às palavras de Jesus Cristo na benção do pão e do vinho.
No dia seguinte, na sequência da viagem, os brasileiros precisaram reunir-se para vencer um trecho em lamaçal da estrada em reforma onde os carros ficaram encalhados.
Depois de superar esses obstáculos, os participantes prosseguiram viagem e antes de chegar a Caracas entusiasmaram-se com a beleza da paisagem entre Medellin e Cartagena. Ao chegar a Caracas, o grupo completou o percurso de 11.756 quilômetros com a média diária de 380 quilômetros, apesar das dificuldades que enfrentaram.
A dupla da revista Quatro Rodas foi substituída pelo repórter Emílio Camanzi e pelo fotógrafo Milton Shiratta, mas tiveram que superar mais um problema: os carros chegaram a Miami com pneus esvaziados, sem extintor de incêndio e também sem bateria que, de acordo com a empresa aérea, seguiram o procedimento de segurança exigido para o transporte de veículos.
A viagem entre Miami e Detroit foi cumprida em 7.250 quilômetros por rodovias modernas e muito bem pavimentadas. Antes de chegar a Detroit, o chefe da equipe, José Augusto, combinou com o representante de imprensa da Ford Brasil, Carlos Roberto Costa, o horário de chegada da comitiva à sede mundial da Ford, determinada para às 11 horas e que seriam recebidos por diretores e até por Henry Ford II.
Faltando poucos minutos para o horário combinado, Henry Ford II juntou-se a outros diretores que aguardavam os viajantes. Esperou por aproximadamente meia hora, mas como tinha outro compromisso, delegou a recepção a Lindsey Halstead, presidente da Ford brasileira.
Há 40 anos, não existia o celular, o que impossibilitou o contato telefônico com os viajantes. Ao meio-dia do 2 de outubro de 1982, o Del Rey e a pick-up Ford Pampa chegaram ao Head Quarter, da Ford. E, ao encontrar-se com os diretores da empresa, o jornalista Emílio Camanzi disse, muito orgulhoso: chegamos pontualmente no horário combinado. Mas não sabia que entre as duas cidades havia uma hora de diferença de horário.
Com o entusiasmo pelo êxito da aventura ninguém se lembrou de informar esse detalhe aos brasileiros. Mas, como tudo terminou bem, foram confraternizar-se na residência de John Tomé, responsável pela comunicação da Ford para todo o continente americano e a região oriental do planeta.
Renato Modernel, que participou da fase sul-americana da viagem definiu o programa como um filme de longa quilometragem que permitiu sentir muito de perto a América Latina e os Estados Unidos por terra. Ele definiu que foram dois meses de uma caminhada exaustiva e perigosa, mas surpreendentemente instrutiva e encantadora.
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Crédito das imagens: Arquivo pessoal José Augusto Barbosa de Souza.
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