Ferrugem? Este já foi um dos desafios de qualidade da indústria automotiva
Talvez muitos proprietários e usuários de automóveis hoje não imaginem que, há 40 anos, a ferrugem em portas, para-lamas e assoalho representava um dos maiores desafios de qualidade para os fabricantes brasileiros. Tão sério quanto os recalls atuais pelo mau funcionamento de airbags ou qualquer outro componente.
Quantos carros não eram literalmente “consumidos” e as oficinas precisavam reparar – quando possível – o problema. E não havia ainda a cultura de recall para isso.
No final da década de 70, os carros brasileiros foram atingidos por uma crise de ferrugem. O problema foi tão sério que os sistemas de tratamento existentes na época, já considerados de avançada tecnologia, não conseguiam evitar o surgimento de pontos de ferrugem nas carrocerias. As fábricas passaram a adotar o processo de pintura em “primer” (base), por imersão e sistema de eletroforese catódica.
O processo provoca, por eletricidade, a adesão da tinta à chapa e resulta em efetiva proteção contra a ferrugem. Com adoção do sistema, na fábrica de São Bernardo do Campo, a Ford obteve um elevado nível de proteção para o Corcel, mas os modelos da linha Galaxie, LTD e Landau, produzidos na fábrica do Ipiranga, não contavam com a tecnologia.
A estrutura da carroceria do Ford Galaxie não era afetada pela ferrugem, mas a parte inferior das portas após alguns anos de uso, mostravam uma linha horizontal formada por uma erupção da pintura motivada pela corrosão.
Na fábrica de São Bernardo do Campo, a sequência de produção da Ford tinha como primeiro estágio, a área de estampagem. Nesse prédio as grandes e poderosas máquinas de prensa moldavam as peças metálicas que compõem o assoalho, as caixas de rodas, para-lamas, portas e os demais componentes da carroceria do automóvel.
Separadamente, essas peças eram transferidas para a funilaria, um prédio à frente, onde ocorria a primeira união, denominada submontagem, por aplicação de soldas. Os conjuntos resultantes da submontagem eram unidos no formato final de carroceria em um gabarito, programado eletronicamente para levar cada peça – milimetricamente – em seu devido lugar e garantir um produto final com absoluta precisão. Na Ford, esse equipamento sofisticado era chamado de Pivot Pillar Buck.
As etapas seguintes eram o tratamento da chapa e a pintura. Primeiro, a lavagem, o chamado “desengraxamento” e os banhos químicos de limpeza e proteção. Depois, o banho da pintura básica, o “primer”, feito por imersão, operação que garantia a forte adesão da tinta à chapa pelo sistema eletroforético catódico. Em seguida, vinha a pintura final, a aplicação do chamado esmalte definitivo e o verniz de proteção e realce ao brilho.
Ao receber as soldas, as carrocerias eram transportadas por uma linha elevada (correntes transportadoras) em direção ao edifício de pintura. Era formado um conjunto, espécie de “kit” composto pela carroceria, portas e capôs.
Ao apreciar o movimento da corrente transportadora da linha, notei um grande espaço entre os conjuntos e imaginei que as portas do Galaxie poderiam ocupar esse vão disponível e, juntamente com o Corcel, receber o protetor banho eletroforético catódico que as livraria da ferrugem. Mas, por falta de convicção e temor de minha sugestão ser considerada ridícula deixei de transmitir a sugestão ao presidente da empresa, sr. Joseph O’Neil.
Pensei nos fatos de que se fosse algo positivo, algum gerente ou um dos próprios diretores já deveria ter observado essa possibilidade. Também ponderei no custo e na logística para o estabelecimento de um plano que exigiria tempo, pessoal e transporte entre as fábricas do Ipiranga e de São Bernardo do Campo.
O diretor de Manufatura da empresa, Mauro Borghetti, costumava me chamar à sala dele para umas conversas de fim de tarde. Era ele o responsável direto por todas as operações de produção da fábrica. Numa dessas oportunidades tomei coragem e arrisquei a sugestão. Ao ouvir a minha sugestão, Borghetti não fez comentários. Pegou o telefone e ligou para o Cássio Barbosa, na época o gerente de manufatura da fábrica.
“Cássio, providencie uns ganchos e pense numa logística para o transporte de portas do Galaxie da fábrica do Ipiranga, porque vamos passá-las no sistema de pintura de São Bernardo”.
Depois desse diálogo, o Mauro comentou: “Sempre que tiver uma ideia dessas, venha falar comigo”.
Alguns dias depois do estabelecimento do sistema de pintura de portas do Galaxie, em São Bernardo do Campo, fui ao setor de pintura e, fingindo estar surpreso com o processo, perguntei ao amigo Cássio:
“Estamos pintando as portas do Galaxie aqui em São Bernardo?”;
“É, meu filho, cabeça foi feita para pensar!”.
Atualmente, é muito comum as fábricas incentivarem os funcionários de todas as áreas para que contribuam com ideias e sugestões de melhorias. Anualmente, as fábricas reúnem os empregados para comemorar os aperfeiçoamentos introduzidos nos diversos setores com a entrega de prêmios para os autores das sugestões inovadoras. A Ford, por intermédio desse programa, denominado FPS (Ford Production System) recebeu uma série de melhorias para o conforto e a segurança dos funcionários, além de maior produtividade e melhor nível de qualidade dos produtos. O FPS determinava uma reunião semanal de cada seção, com a duração de uma hora, com gerentes supervisores e funcionários, para a troca sugestões.
Por conta desse programa, a linha de montagem dos caminhões recebeu uma série de aperfeiçoamentos. Um deles foi no setor de aplicação do para-brisa, com a montagem de um estrado para melhor postura do operador e a instalação de um elevador para o reservatório de cola. Com essas melhorias, os funcionários puderam descobrir também um ponto de infiltração de água em uma das bordas da cabine, motivo de reclamações de clientes e que as inspeções de qualidade não conseguiam identificar.
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Crédito das imagens: Arquivo da Internet.
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